Venda de antidepressivo dispara na pandemia

Enquanto consumo geral de remédios cresceu 11% na pandemia, o de medicamentos para transtornos psíquicos subiu 26%

A maioria dos brasileiros ou teve algum sintoma de depressão e ansiedade durante a pandemia, ou pelo menos conhece alguém que teve. O resultado dos efeitos destes tempos de isolamento e incertezas pode ser visto no aumento do consumo de antidepressivos e ansiolíticos. No ano passado, as vendas de medicamentos genéricos para doenças psíquicas subiram 26%, mais do que o dobro da média de crescimento dos genéricos em geral, que registraram alta de 11% em relação a 2019. Os dados são da IQVIA, auditoria especializada no varejo farmacêutico.

Só na Medley, a venda desse tipo de medicamento subiu 39%, contra uma alta de 19% dos demais genéricos. “Cresceu porque a demanda aumentou e a busca por tratamento também. Todos esses remédios só são vendidos com receita. É um sinal de que as doenças mentais realmente cresceram na pandemia”, explica a gerente de branding da Medley, Fernanda Elias.

A farmacêutica tem outro termômetro para medir o aumento do adoecimento mental durante a pandemia. Desde 2018, a Medley mantém a campanha “Pode contar”, uma plataforma que reúne informações sobre doenças mentais. Em 2020, o total de acessos ultrapassou 2 milhões, 135% a mais que em 2019.

“Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com o maior número de deprimidos da América Latina, mas só 30% buscam ajuda, porque existe muito preconceito e desinformação. Diante do propósito da Medley de democratizar o acesso à saúde, criamos essa plataforma, para levar conscientizar e levar informação de credibilidade tanto para quem sofre os sintomas como para aqueles que convivem com essas pessoas”, explica Fernanda.

A pedido da reportagem, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) fez um levantamento sobre a venda dos seguintes compostos: bromazepam, clonazepam, diazepam, lorazepam, flunitrazepam, midazolam e zolpidem. De janeiro a novembro do ano passado, as farmácias de todo o país venderam 17,2% a mais na comparação com o mesmo período de 2019. Em Minas Gerais, o salto foi de 15,7%, na mesma base comparativa. Nesses 11 meses, oito deles na pandemia, só as farmácias mineiras adquiriram 3,71 milhões a mais de caixas desses remédios.

Outro indicativo do maior consumo de antidepressivos e ansiolíticos vem da ePharma, que atua no ramo de convênios entre organizações e farmácias. Apenas em março de 2020, primeiro mês da pandemia, a empresa registrou, na ponta da cadeia, um consumo 4,8% superior ao do mesmo mês de 2019. Em dezembro, a média de consumo estava subindo num ritmo ainda mais acelerado: 13,6%.

Preocupação

Na visão do coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), Paulo Roberto Repsold, a questão é saber como esses medicamentos estão sendo usados. “Há muito abuso por parte da população. Isso é um fato. E, na psiquiatria, predominantemente os remédios tarja preta podem causar dependência”, destaca.

Outro ponto importante, ressalta o especialista, é diferenciar doenças crônicas, como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, dos transtornos de ansiedade e depressões iniciadas concomitantemente a momentos de maior estresse e perdas, como o enfrentado agora. “É como hipertensão, em que você vai tomar o medicamento a vida toda, e pneumonia, em que o remédio é necessário, mas você toma, sara e pronto, para de tomar”, compara.

Renovar receita tem sido um desafio durante a pandemia

“É uma bola de neve. Difícil dizer onde começa, e quase nunca tem fim. Às vezes, as coisas vão perdendo o sentido”

Luciano Carvalho, 22

Tem depressão

Sabe quando você está na rua, entretido com alguma coisa, e o barulho ensurdecedor de uma moto desconcerta totalmente seus pensamentos? Assim, o estudante de arquitetura Luciano de Carvalho, 22, tenta explicar a sensação dos primeiros sintomas do transtorno de ansiedade e da depressão, diagnosticados em abril de 2019. Desde então, ele faz uso de medicação. Na pandemia, enquanto o Brasil vê crescer o consumo dos antidepressivos e ansiolíticos, Luciano, assim como muitos outros pacientes, enfrenta dificuldade para renovar receitas.

“Por causa da Covid, o ambulatório fechou. Eu consultei pela última vez em março e deveria ter voltado em junho, mas não era possível marcar. Consegui algumas amostras grátis e pedi a amigos que sei que tinham parado de tomar para me dar o que tinha sobrado. Mas as dosagens deles eram menores”, conta o estudante.

Para o médico que o acompanha, só há agenda para setembro de 2021. O posto de saúde não renova a receita. E o remédio já acabou. “Meu rendimento na faculdade já caiu, porque é difícil concentrar. Parar de uma vez com a medicação deixa uma sensação de estar numa montanha russa, onde só você só desce”, diz.

Fonte: O Tempo